Verificamos que o Simbolismo deita raízes no Romantismo e que alguns ideais românticos, sobretudo os mais vagos, tiveram que aguardar o Simbolismo para realizar-se de forma mais ampla.
- Teoria das correspondências - (Baldelaire - Flores do mal) - propõe um processo cósmico de aproximação entre as relidades físicas e metafísicas, entre os seres as cores, os perfumes, e o pensamento ou a emoção, que se expressa através da sinestesia.
O decadentismo pode ser visto como uma forma ancestral ou embrionária do simbolismo.
* CRUZ E SOUSA (nota Tatí: poderosíssimo)- SC 1861 - MG 1898.
Filho de escravos libertados por um marechal, estudou e trabalhou em jornais. Na folha Popular no Rio de Janeiro fundou o primeiro grupo simbolista brasileiro com Bernardino Lopes e Oscar Rosas. Casa-se com uma jovem negra com saúde mental frágil. Trabalha numa estrada de ferro e morre aos 36 anos.
Metáforas de penetrante brancura e aspiração de uma puríssima poesia. É considerado um dos 3 melhores simbolistas do mundo, ao lado de Mallarmé e Stefan George.
- obras
Tropos e Fantasias (em parceria com Virgílio Várzea); Missal (poemas em prosa); Broquéis (poesia); Evocações (poemas em prosa), Faróis(poesias), Últimos Sonetos ( recolhido pelo amigo Nestor Víctor, publicado em 1905).
- Considerações gerais.
Textos com alusões a realidades sociais degradadas, como a doença, a loucura, a miséria e o preconceito de cor.
1- Resíduos Parnasianos - Na predileção pelo soneto, pelas rimas ricas, vocábulo raro (Broquéis - tipo de escudo espartano, bem ao gosto dos parnasianos de reviver objetos antigos).
2- Formação filosófica e científica Realista e Naturalista - Termos científicos e visão pessimista, individualismo neo-romântico.
3- Influência de Baudelaire - Domínio do poema em prosa, satanismo.
4- A cosmovisão de Cruz e Sousa lembra o Barroco: o mundo terreno é um cárcere de dor e infortúnio; o homem, um ser oprimido, a única solução seria a fuga, a ascensão para outro mundo, puro etéreo e branco. Eu X mundo.
3 marcos bem definidos em sua trajetória espiritual:
- a) A revolta contra a condição de negro e a busca de afirmação pessoal(a dor de ser negro);
- b) A revolta contra a condição humana, especialmente a dos negros, a dos humilhados e a dos miseráveis(a dor de ser homem);
- c) A busca da transcendência, a aceitação da dor(a dor e a glória de ser espírito).
“Qual é a cor da minha forma, do meu sentir? Qual é a cor da tempestade de dilacerações que me abala? Qual a dos meus sonhos e gritos? Qual a dos meus desejo e febre?” ( O Emparedado).
Aparece por 169 vezes em sua obra palavras apoiadas em imagens na cor branca, do brilho, da transparência ( lírio, linho, neve, névoa, nuvem, luminoso, marfim, espuma, opaco, pérola, brilhante.)
Talvez mais como simbologia de espiritualidade e transcendência.
Antífona - poema que abre o livro Broquéis. Características simbolistas - Musicalidade (assonâncias, aliterações); sinestesia, cromatismo, vocábulo litúrgico, concretização do substantivo abstrato pelo uso do plural, lirismo encantatório, sugestivo; as maiúsclas alegorizantes, obsessão pela cor branca, atmosfera mística e misteriosa.
ANTÍFONA
Ó Formas alvas, brancas, Formas claras
De luares, de neves, de neblina!...
Ó Formas vagas, fluidas, cristalinas...
Incensos dos turíbulos das ares...
Formas de Amor, constelarmente puras,
De Virgens e de Santas vaporosas...
Brilhos errantes, mádidas frescuras
E dolências de lírios e de rosas...
Indefiníveis músicas supremas,
harmonias da Cor e do Perfume...
Hora do Ocaso, trêmulas, extremas,
Réquiem do Sol que da Luz resume...
Visões, salmos e cânticos serenos,
Surdinas de órgãos flébeis, soluçantes...
Dormências de volúpicos venenos
Sutis e suaves, mórbidos, radiantes...
Infinitos espíritos dispersos,
Inefáveis, edênicos, aéreos,
Fecundai o Mistério destes versos
Com a chama ideal de todos os mistérios.
Do sonho as mais azuis diafaneidades
Que fuljam, que na estrofe se levantem
E as emoções, todas as castidades
Da alma do Verso, pelos versos cantem.
Que o pólen de ouro dos mais finos astros
Fecunde e inflame a rima clara e ardente...
Que brilhe a correção dos alabastros
Sonoramente, luminosamente.
Forças originais, essência, graça
De carnes de mulher, delicadezas...
Todo esse eflúvio que por ondas passa
Do Éter nas róseas e áureas correntezas...
Cristais diluídos de clarões álacres
Desejos, vibrações, ânsias, alentos,
Fulvas vitórias, triunfamentos acres,
Os mais estranhos estremecimentos...
Flores negras do tédio e flores vagas
De amores vãos, tantálicos
Fundas vermelhidões de velhas chagas
Em sangue, abertas, escorrendo em rios...
Tudo! Vivo e nervoso e quente e forte,
Nos turbilhões quiméricos do sonho,
Passe, cantando, ante o perfil medonho
E o tropel cabalístico da Morte...
Em Missal e Broquéis o tumulto interior que viveu o poeta vai passando à condição humana, para as realidades mórbidas, irônicas, decompostas ou torturantes. Mas é em Faróis e na prosa poética de Evocações que seu esteticismo se muda para um lirismo trágico e mórbido, basta ver os títulos: Tristeza do Infinito, Sem Esperança, Caveira, A Flor do Diabo, O Emparedado, Tédio, etc.
Tudo isso patenteia a identidade de Cruz e Souza com Baudelaire, Augusto dos Anjos, pouco depois, retomará esse mesmo caminho.
“Vê como a dor te transcendentaliza!” - É com os Últimos Sonetos que o poeta obtém em maior grau a espiritualização sublimatória da experiência dos sentidos.
APHONSUS DE GUIMARAENS - Afonso Henrique da Costa Guimarães(Ouro Preto, MG 1870 - Mariana, MG - 1921)
Poeta de um tema só: a morte da amada. Aos dezoito anos perde uma prima, Constança, de quem se enamorara, a ponto de transfigurá-la numa Beatriz de quase toda a sua lírica e de atirar o poeta numa crise de doença e boêmia.
- Obra - Poesia - Kiriale(1902), Sentenário das Dores de Nossa Senhora (1899), Câmara Ardente (1899), Dona Mística (1899), Pauvre Lire (1921), Pastoral aos Crentes do Amor e da Morte (1923), A Escada de Jacó(1938), Pulvis (1938). Prosa - Os Mendigos(1920). Tradução - Nova Primavera (de Heine).
- Foi o maior poeta místico da Literatura Brasileira, mais pela atmosfera de sonho e mistério, pela tonalidade medieval, pelo tom de ternura e melancolia.
- Espectros que tem voz, sombras que tem tristeza,
Perseguem-me: e acompanho os apagados traços
De semblantes que amei fora da natureza.
ós haveis de fugir ao som de padre-nosso,
Frutos da carne infiel, seios, pernas e braços,
E vós, múmias de cal, dança macabra de ossos!
(Espírito Mau)
- Meus pobres sonhos que sonhei, já tão sonhados,
Que vento de desdita e de luto vos leva?
Que fúria de pavor, sedenta de pecados,
Vos guia em turbilhões de poeira e de treva?
(Pobre Sonhos).
Deseja a morte para se aproximar da amada, ou de Deus.
AUGUSTO DOS ANJOS (nota Tatí: não há nem o que comentar, ele é demais)- (Eng. Pau D’arco, PA, 1884 - Leopoldina, MG - 1914)
Deixou um único livro, EU. Que a partir de 1919 passa a chamar-se Eu e Outras Poesias. É o mais original dos poetas brasileiros, colocando-se entre Cruz e Sousa e os Modernistas. Faleceu de pneumonia aos 30 anos. Magro e enfermo.
Obra - Eu - 1912. Eu e Outras Poesias - 1919.
Transformado em catecismo dos pessimistas e em bíblia dos sem sorte, Eu, é resistente a todos os modismos, impermeável às retaliações da crítica e aos vermes do tempo.
“EU, FILHO DO CARBONO E DO AMONÍACO”.
As leituras precoces de Darwin, Haeckel, Lamarck. Schopenhauer e outros. A adesão ao Evolucionismo de Darwin e Spencer e a angústia funda, letal, ante a fatalidade que arrasta toda a carne para a decomposição.
A IDÉIA
De onde ela vem? De que matéria bruta
Vem essa luz que sobre as nebulosas
Cai de incógnitas criptas misteriosa
Como as estalactites duma gruta?!
Vem de psicogenética e alta luta
Do feixe de moléculas nervosas,
Que, em desintegrações maravilhosas,
Delibera, e depois, quer e executa!
Vem do encéfalo absconso que a constringe,
Chega em seguida às cordas do laringe,
Tísica, tênue, mínima, raquítica...
Quebra a força centrípeta que a amarra,
Mas, de repente, e quase morta, esbarra
No molambo da língua paralítica!
PSICOLOGIA DE UM VENCIDO
Eu, filho de carbono e do amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênese da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.
Profundamente hipocondríaco,
Este ambiente me causa repugnância...
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia
Que se escapa da boca de um cardíaco.
Já o verme - este operário das ruínas -
Que o sangue podre das carnificinas
Come e à vida em geral declara guerra,
Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
E há de deixar-me apenas os cabelos,
na frialdade inorgânica da terra!
Reduzindo o amor humano à cega e torpe luta de células, cujo fim não é senão criar um projeto de cadáver, o poeta aspira, como Cruz e Sousa, a imortalidade gélida, mas luminosa, de outros mundos onde não lateje a vida-instinto, a vida-carne, a vida-corrupção:
“As minhas roupas, quero até rompê-las!
Quero, arrancando das prisões carnais,
Viver na luz dos astros imortais,
Abraçado com todas as estrelas!”
Expressionismo - reação contra o impressionismo, contra o gosto pela nuança, contra o refinamento e sutileza na captação do momento. Daí o “mau gosto”, o “apoético” que, em Augusto dos Anjos são convertidos em poesia.
VERSOS ÍNTIMOS
Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão - esta pantera -
Foi tua companheira inseparável!
Acostuma-te à lama que te espera!
O homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.
Toma um fósforo, acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.
Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!